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| Créditos: Mauro Pimentel/AFP |
'Os Corpos Não Paravam de Chegar': Fotógrafo Relata Horror na Operação Policial Mais Letal do Rio Contra o Comando Vermelho
Os complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, ainda exalam o cheiro de pólvora e luto dois dias após a Operação Contenção, a ação policial mais mortal da história da cidade, que deixou um rastro de 132 corpos – muitos deles trazidos por moradores em lonas azuis improvisadas, alguns mutilados por tiros de fuzil. "Os corpos não paravam de chegar. Era um após o outro, descendo o morro em macas feitas de portas e tábuas. Vi mães chorando, crianças correndo... parecia o fim do mundo", descreve Bruno Itan, fotógrafo da agência EPA, que documentou o caos de terça-feira, 28 de outubro, quando 2 mil agentes das Polícias Civil e Militar invadiram os territórios dominados pelo Comando Vermelho (CV). Sua imagem de uma mulher erguendo uma lona para revelar um corpo jovem, com ferimentos no rosto e peito, viralizou globalmente, simbolizando o custo humano de uma ofensiva que prometia "contenção" ao tráfico, mas entregou uma carnificina sem precedentes.
A operação, deflagrada às 5h da manhã com helicópteros sobrevoando as favelas e blindados avançando por vielas estreitas, visava desmantelar a estrutura do CV na região, incluindo o traficante Edgar Alves de Andrade, o "Doca", apontado como o principal chefe local e responsável por execuções como o duplo homicídio de um casal no Alemão em setembro. Autoridades estaduais, sob o comando do governador Cláudio Castro, mobilizaram drones, cães farejadores e inteligência federal para cumprir 60 mandados de prisão, resultando em 81 detidos e a apreensão de 93 fuzis, 42 granadas e 2 toneladas de maconha. Mas o saldo de mortes escalou rapidamente: dos 64 iniciais reportados na terça, o número subiu para 119 na quarta e atingiu 132 nesta sexta, conforme balanço atualizado do Instituto Médico-Legal (IML), com mais de 70 corpos encontrados por residentes na mata e levados à Praça da Penha para identificação – um ato de desespero que expôs a ausência de resgate oficial imediato.
Itan, 42 anos e veterano de coberturas em zonas de conflito como a Síria, chegou ao Alemão por volta das 10h, guiado por contatos locais que alertavam para o "massacre". "Eu ouvia os tiros ecoando como trovões, e de repente, vi o primeiro grupo descendo: um corpo enrolado em lençol, depois outro, e outro. Eram jovens, a maioria entre 18 e 25 anos, muitos sem antecedentes criminais confirmados. Um tinha o rosto desfigurado por um tiro na cabeça de perto", relata o fotógrafo em entrevista exclusiva à BBC, cujas fotos foram republicadas por veículos como Reuters e El País. Ele flagrou cenas que desafiam a narrativa oficial de "confronto inevitável": corpos amontoados em escadarias, famílias vasculhando bolsos em busca de documentos, e policiais recolhendo armas sem perícia imediata. Quatro agentes morreram em emboscadas – heróis para o governo, mas vítimas de uma inteligência falha, segundo o coronel reformado José Vicente, que compara a ação ao "Carandiru tropical".
O CV, facção nascida nos presídios cariocas dos anos 1970 e expandida para portos como Itaguaí, onde exporta cocaína disfarçada em contêineres de café, retaliou com barricadas incendiadas e tiroteios que paralisaram o Rio por 12 horas, fechando escolas e comércios. Nos últimos meses, o grupo intensificou ações: invasão ao Morro do Borel em setembro, com 12 mortes; explosões de caixas eletrônicos em Niterói, rendendo R$ 2 milhões em agosto; e consolidação na Maré com granadas caseiras. A operação respondeu a uma escalada que incluiu o sequestro de um delegado em julho, mas Doca segue foragido, protegido por uma rede de 70 homens, possivelmente já reorganizado no interior fluminense ou em Minas Gerais. Críticos, como o Ministério Público Federal (MPF), que exige perícia em todos os corpos em 48 horas, alegam execuções sumárias: "A letalidade é desproporcional, e a ausência de Doca prova que o alvo real era o espetáculo", acusa o promotor Roberto Tardelli.
Reações nacionais e internacionais fervem. O presidente Lula, "horrorizado" com o saldo, decretou luto oficial e enviou ministros como Flávio Dino (Justiça) e Guilherme Boulos (Cidades) ao Rio na quinta, onde visitaram famílias e prometeram um projeto de lei para penas de até 30 anos em associações territoriais ao tráfico. Famosos como Ludmilla, nascida na Penha, e o rapper Oruam postaram tributos no Instagram: "Meu bairro sangra, e o governo aplaude. Até quando?". A ONU e a Anistia Internacional cobram investigação independente, enquanto o Brasil se prepara para a COP30 em Belém, onde a imagem de favelas sitiadas mancha a narrativa de "paz social". O governador Castro, em coletiva, defendeu a ação como "o maior baque ao CV", mas evitou detalhes sobre os 132 óbitos, focando em "vitórias táticas".
Para os moradores do Alemão e Penha, o "sucesso" soa oco: o território segue sob domínio do CV, com olheiros nos morros e pontos de venda ativos. Itan, que arriscou a vida para clicar o horror, encerra com uma reflexão amarga: "Fotografei guerras, mas isso é uma guerra sem fim, onde os corpos são o troféu e a paz, uma ilusão". Com 178 operações federais em 2025 e homicídios em queda de 20% graças a UPPs revividas, o Rio enfrenta o dilema de uma segurança que mata mais que cura. A Operação Contenção pode ter contido o CV por um dia, mas o ciclo de sangue – e corpos que não param de chegar – persiste nas veias da cidade Maravilhosa.
